quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O velho e o moço - Comentada...

O velho e o moço - Rodrigo Amarante
Los Hermanos
CD Ventura


É bem provável que essa canção tenha lhe causado estranhamento quando ouvida pela primeira vez. A verdade é que a composição de Rodrigo Amarante parece exigir do ouvinte maior atenção do que de costume. Comecei a compreendê-la melhor quando entendi que o seu título – O velho e o moço é peça de fundamental importância para que o ouvinte desvende seu mistério e alcance, assim, a interpretação do texto. Seu título estabelece uma temática universal que sugere, através da velhice e da mocidade, uma reflexão sobre aquele que, em nossos dias, talvez seja um dos maiores inimigos do homem: o tempo.

Ao observar atentamente a estrutura das estrofes podemos perceber sem muito esforço que a composição apresenta uma alternância de vozes líricas que expressam o fluxo de consciência tanto do velho quanto do moço. Ora somos levados a conhecer o conformismo, o cansaço, o saudosismo do velho, ora a conhecer o desprendimento, a vaidade, o ímpeto inconseqüente dos anseios do jovem. Neles podemos notar que o tom é de desabafo, de reflexão, de vertigem. No caso do velho, daquilo que, no passado, quase lhe causou arrependimento. No jovem, a ansiedade daquilo que pode, ou não, lhe ocorrer no futuro conforme suas decisões.

Se observarmos a disposição das estrofes vemos sem muita dificuldade como suas vozes são distribuídas em períodos diferentes. A começar pelo velho, que se exprime a partir da estrofe 1 até a estrofe 4; em seguida, temos a voz do jovem que se exprime a partir da estrofe 5 e segue até metade da estrofe 8; e por fim, notamos nos versos restantes a alternância das vozes que, em determinado momento, se unificam, e revelam, assim, não apenas uma reflexão sobre o tempo, mas também uma reflexão sobre o acaso, o destino – seja ele passado, ou futuro. Se imaginássemos uma estrutura da canção poderíamos rascunhá-la da seguinte maneira:


É preciso lembrar, também, que toda composição poética segue uma forma  seja ela fixa, ou não. O versos de Amarante, por exemplo, seguem, a princípio, a métrica do verso pentassílabo (ou redondilha menor), ou seja, são divididos, em geral, em cinco sílabas poéticas. Essa escolha não é gratuita, foi usada porque ela se faz bastante presente nas trovas populares (pode ser facilmente decorada) e produz um ritmo circular na canção, talvez com a intenção de sugerir certa nostalgia e perplexidade no poema, fazendo que o ouvinte imagine, mesmo que inconscientemente, um túnel temporal que o remeta tanto ao passado quanto ao futuro.

Além disso, podemos perceber que o timbre do teclado, dos metais e a marcação do tempo pelo bumbo sugerem o devaneio do velho e do moço, pois embora se refiram ao tempo, as vozes líricas o enxergam cada qual pelo seu prisma. Na melodia percebemos essa divisão quando o vocalista deixa de cantar e os instrumentos tomam lugar na canção, sugerindo o momento de passagem do tempo. Deixa-se, então, de exprimir reflexões quanto ao passado e passa-se às reflexões quanto ao futuro.

Outro detalhe que deve ser observado é a consonância entre a letra e a melodia da canção. Por exemplo, se repararmos, respectivamente, os primeiros versos das estrofes 3 e 7, podemos observar o seguinte:

3. - E se eu fosse/ o primeiro a voltar/ pra mudar o que eu fiz,/ (...)
7. - E se eu for/ o primeiro a prever/e poder desistir/ (...)

A melodia e a letra parecem tecer entre si semelhanças e sugestões que vão compondo pouco a pouco o universo da canção. Notamos nos versos 3 e 7 que tanto o saudosismo do velho quanto a ansiedade do moço são marcados musicalmente com notas altas, como se a elevação da voz à notas mais agudas aludissem ao anseio e inquietação das vozes líricas à  realização de seus desejos, quer se referindo  ao passado, quer referindo ao futuro.

Além disso, é preciso atentar como o desdobramento das palavras sugere, quase espontaneamente, o acabamento da estrutura da canção. É o que reparamos no verso 5 da estrofe ,  a palavra gasto, por exemplo, remete às coisas já gastas, às coisas passadas, à tradição a que a voz lírica do velho se refere. Outro exemplo seria o 3° verso da estrofe 5. A palavra vaidade, desdobrada, transforma-se em vai idade, fazendo menção, assim, à transitoriedade e legeireza a que acomete a juventude do moço. Há outros exemplos, mas tornariam a leitura cansativa...

Em verdade, o propósito deste blog não é extinguir as possibilidades analíticas dessa canção, ou de qualquer outra que pretenda expor em análise. O trabalho aqui desenvolvido nada mais é do que o desejo de decifrar passo a passo o enigma da palavra, em especial, da criação poética da banda Los Hermanos, oferecendo aos leitores ainda mais deleite com a obra. Conto com a contribuição dos leitores,  afinal, essa foi apenas uma das possíveis leituras. Gostaria de conhecer, também, a sua. Se sentir vontade, comente.

Até a próxima!




segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

CD Bloco do eu sozinho - Los Hermanos

Bloco do Eu Sozinho - Los Hermanos
Por Marcelo Costa
Setembro de 2001
maccosta@hotmail.com

Já faz um bom tempo que a música pop não cria nada de novo, instigante. Na verdade, desde Ok Computer do Radiohead que tudo soa deja vu e blá blá blá. Os melhores álbuns de 2001 não trazem nada de novo além de um punhado de belas canções, o que anima o freguês, mas anda faltando algo. Senão, vejamos: O Manic Street Preachers lançou o bacanudo (e longo demais) Know Your Enemy, uma junção dos dois álbuns anteriores do trio galês. Novidade? Nenhuma. Nick Cave destila poesia maravilhosa em seu 12º álbum, No More Shall We Part. Um álbum sensacional. Novidade? Nenhuma. Stephen Malkmus lançou um bom álbum à lá Pavement. Travis lançou um álbum rascunho de Travis. R.E.M. lançou o 12º melhor álbum de sua carreira, Reveal, e logo chega as lojas Is This It, da bandinha do momento, The Strokes, um punhado de canções legais inspiradas em Stooges e Velvet. Novidades? Nenhuma.



O que o Los Hermanos tem a ver com isso? Nada e tudo.



Nada porque a velha guarda jornalistica e a garotada indie adora inventar regras malucas e, numa delas, acreditar que a música pop nacional é infinitamente inferior ao mesmo quindim estrangeiro. E tudo porque, sim, Bloco do Eu Sozinho, novo álbum do quarteto carioca é inventivo, instigante, chapado e maravilhoso, melhor que todos os álbuns citados no segundo parágrafo.



Enlouqueci? Não, mas para descobrir isso, caro leitor, você terá de baixar a guarda. Bloco do Eu Sozinho é um puta disco por onde quer que se olhe. De título melancólico, de natureza experimental, de briga com gravadora, de citações cool, o álbum pega na veia e mostra que a saída para a música pop nacional é ser antiga e atual no mesmo riff de guitarra, no mesmo som de tuba, na mesma tristeza de letra que embalaria sambas-canção nos anos 30 e que embalam relacionamentos partidos em 2001.



Enquanto 90% do rock mundial segue atrás do Radiohead (o underground nacional incluso) que já nem sabe mais pra onde ir, os Hermanos apóiam-se em si mesmos para escrever mais um capítulo grandioso da música brasileira. Bloco do eu Sozinho é neto de Noel Rosa, filho de Picassos Falsos e primo em segundo grau do clássico London Calling do Clash.



E é herdeiro direto do primeiro álbum da banda e do maior hit da recente história do rock brasileiro. Sim, Anna Julia é culpada por quase toda beleza de Bloco do Eu Sozinho. O hit "jovem guarda" aprisionou a banda numa cela com 250 mil pessoas cantando em coro o refrão. Mas, como sabiamente disse Marcelo Nova numa entrevista exclusiva para o S&Y, "toda música que toca demais enche o saco, seja Anna Julia ou Joana D. Arc". Ou Wonderwall.



A banda, perdida no meio da gritaria, escolheu um sítio afastado e decidiu repensar o carnaval. O resultado é uma brusca pisada no freio. Tão brusca que uma pendenga entre gravadora, produtor e banda acabou saindo dos estúdios e ganhou páginas de jornais espalhando que a gravadora recusou o álbum, que a banda peitou a gravadora e que a saída feliz para ambas as partes foi uma remixagem (acompanhada pela banda) de um terceiro (assim como Scott Litt fez em In Uterno, do Nirvana).



O resultado é uma pequena obra prima. Uma mistura esquisita de samba, rock, ska, MPB, guitarras, samba-canção, vaudeville, maxixe, dixieland, orquestra de cordas, trombones e letras tristes. Quem esperava uma nova Anna Julia já recebe o recado na primeira faixa do álbum: Todo o carnaval tem seu fim. Bloco do Eu Sozinho é um disco de quarta-feira de cinzas, um disco de ressaca, de maquiagem borrada, camisas suadas e, sobretudo, um disco de quem vai embora para casa sozinho após a festa.



O que mais impressiona é a qualidade dos arranjos, os detalhes.



O álbum começa com sax e bateria que remetem a London Calling, a música, do The Clash. O riff de guitarra é atropelado por trompete e trombone e tudo se junta no refrão: "Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz". Um flugelhorn abre a faixa dois, A flor. Retrato de Iaiá, a terceira, se apóia em ska enquanto a genial Assim Será mistura pandeiro e guitarras em uma canção de despedida que diz "e você vai ser mais feliz longe de mim".



Uma canção como Sentimental nada deve a qualquer hit do Travis e do Coldplay. Cher Antoine é cantada metade em francês, metade em português. Os metais chapam em Deixa Estar ("digo que não ligo, mas não vivo sem você"). Fingi na hora de rir traz microfonias e mais metais e mais tristeza. Mas as duas canções mais fundo de poço do álbum foram deixadas para o fim, separadas pelo hardcore Tão Sozinho. Veja bem Meu Bem e Adeus Você pegam pesado nas dores do coração. A melhor faixa do álbum, Cadê teu Suin? é uma brincadeira de sílabas que dispara farpas para todos e para tudo.



Quem é teu padrinh

Onde é que tu to

Cadê teu suin-?

Guitarra não pó

Desista mole

Quem é que te indi

Cadê eu suin-?



Com que sobreno

melhor ir sain

dou nem mais minu

tô nem mais a

inda tem a cora

gentinha atrevi

da cá sua vi

da cá teu suin



guiche só de ven

da lá toma no

tamanha revan

cheio de vingan

santinha Cecili

andou me esquecen

dou rima por p

hão de teu suin!



Acerta esse tom

zera essa reza

aumenta o voc

calma com o andamen

to insatisfei

tomara que venh

aquele refr

hão de ter o suin

guilhotina



EU QUE CONTROLO O MEU GUIDOM!

COM OU SEM SUIN!



Em um ano em que o rock mundial está caminhando em circulos, as novidades vão surgir dos lugares menos obvios. Assim, bandas fora do eixo anglo-saxão podem ser o sopro de inteligência em um meio acomodado. Pizzicato Five e Cafe Tacuba são nomes de destaque. E Bloco do Eu Sozinho mostra que o Los Hermanos tem cacife para algo maior. Sem padrinhos, sem ninguém indicando, os moleques não desistiram. Estranho o mundo. Eles se fodem para lançar um discaço e quem ganha o presente somos nós. Estranho e genial.



--------------------------------------------------------------------------------







Com exclusividade para o Scream & Yell, o Los Hermanos comenta, faixa a faixa, o primeiro clássico da música brasileira no século 21



TODO CARNAVAL TEM SEU FIM

Camelo: "A letra é muito bacana. É uma mensagem de todo o disco. Acho que o refrão desse disco é o cerne de tudo: deixa eu brincar de ser feliz/deixa eu pintar o meu nariz. Resume todo o disco essa frase. Tem muito do nosso romantismo aqui.



A FLOR

Camelo: "Foi a segunda música que eu fiz em parceria com o Rodrigo (Amarante). Foi feita em 99, quando estávamos em Recife para o Abril Pro Rock. É uma das músicas que o público gosta bastante, já vínhamos tocando ela nos shows."



RETRATO PARA IAIÁ

Amarante: "Essa música é sobre encontrar um amor de verdade. É triste, mas fala de um amor futuro."



ASSIM SERÁ

Camelo: É uma das músicas que tem uma harmonia muito boa, com um arranjo de metais maravilhoso. Tem um estilo que eu aprendi, que é tocar o samba em u andamento diferente, lento, com dois pandeiros em estéreo. Tem uma letra bemtriste, mas esperançosa mesmo assim.



CASA PRÉ-FABRICADA

Camelo: Talvez seja a música do disco com mais influência de Weezer. Tem a guitarra pasada, ritmo rachado e um teclado moog.



CADÊ TEU SUIN-?

Camelo: É uma crítica à indústria musical em um todo. Pela primeira vez nós fizemos um dixieland de branco, meio quadrado,mas com um pouco de swingue. Tem uma letra muito boa, a que eu mais gosto.



SENTIMENTAL

Amarante: É uma música pesada, seja na letra como na melodia. Fala sobre se afastar, perder, sobre uma pessoa que você ama muito te deixar.



CHER ANTOINE

Amarante: É um tanto trágica. Traz uma letra em francês triste. Mas é um ska de churrasco, descompromissado.



DEIXA ESTAR

Camelo: Acho que á música que mais se parece com o Los Hermanos do primeiro disco, tem um ska reto, quadrado. A letra é toda formada de trava-língua.



MAIS UMA CANÇÃO

Camelo: Tem uma letra que eu não gosto muito, mas acho ela bem espontânea. Ela bonita na sua banalidade. A idéia era gravar ao vivo. Mas tem um clarinete dobrado que é lindo. Acabou ficando simples e bonita



FINGI NA HORA RIR

Camelo: É uma canção antiga, que eu fiz quando fomos mixar o primeiro disco em Los Angeles. Foi uma das mais difíceis que gravamos. Ela muda o andamento no refrão, depois muda de novo. Só conseguimos achar um meio-termo dela quando entramos em estúdio.



VEJA BEM MEU BEM

Camelo: É outra que tem uma letra boa. Fala de uma relação de duas pessoas, onde uma pessoa fala que trocou o parceiro por outra, porque estava difícil sobreviver nos dias ruins.Basicamente é um samba. É um lamento, também.



TÃO SOZINHO

a música mais antiga do Los Hermanos. Essa é da época de uma outra banda que eu tinha. Como é um hardcore pesado, ela destoa um pouco do resto do disco. Mas é legal para balancear.



ADEUS VOCÊ

Camelo: Essa letra eu fiz quando os pais da minha ex-namorada foram morar fora do país. Aí fala sobre a despedida de uma mãe para uma filha. Só que depois que eu terminei o namoro com ela, começou a fazer muito sentido para mim. Mostra que uma relação entre homem e mulher também se aproxima de uma relação mãe e filho. Tem uma orquestra barroca no final que é maravilhosa.





Site Oficial do Los Hermanos
Quinta-feira, Maio 17, 2007
Fim do Los Hermanos?

Outro dia o Pedro, meu sobrinho, me perguntou: "E aí, tá muito triste com o fim do Los Hermanos? Cê tá de luto?
Respondi: Pra quem já viu e viveu o fim dos Beatles, isso é fichinha.
Mas dá para fazer uma reflexão mais aprofundada sobre essa coisa de "perder" ídolos. Fui longe e pensei nos momentos em que pude sentir essa coisa da perda, da morte, do fim de namoro, da despedida de que vai para longe. É claro que existem dores mais fortes do que outras, principalmente aquelas ligadas a perdas irreversíveis, como a morte por exemplo. E no meu caso, e de muitos de nós, a partida súbita do Rogério. É muito dura a experiência da morte.
Porém, vivemos todo os dias a morte de alguma forma, na descontinuidade das coisas. Nós queremos que muitas coisas durem, principalmente aquelas que são boas, simpáticas e prazerosas. Talvez a nossa incapacidade de viver o presente nos leve a esse tipo de desencontro. Estamos de tal forma ligados ao passado, à experiência boa ou ruim, que deixamos de verificar com plenitude as coisas do "agora". Ficamos, quase sempre, ou querendo preservar o prazer, ou evitar a dor já vivida e conhecida. Vivemos, então, agora, ligados no passado e projetando o futuro. Abdicamos do "agora".
É claro que o que foi bom, seria bom viver de novo. Mas para isso precisaríamos estar nas mesmas condições em que estávamos quando vivemos aquela experiência. Como isso é impossível, tudo será sempre novo, seremos sempre outros, e as experiências nunca se repetirão.
Deveríamos, portanto, estar prontos para o sempre novo, mesmo que eles se referissem a coisa do passado. Uma música, por exemplo, a cada momento que a escutamos, obtemos emoções novas, percepções novas, como se a lente que nos permite enxergar, sempre providenciasse novos olhares, porque assim o é.
Por isso, não importa se os Beatles acabaram, o Led Zeppelin, os Novos Baianos e, é claro, o Los Hermanos mesmo. O que importa é que a obra desses artistas está aí para apreciarmos, já não pertencem a eles e podemos ouvi-las sempre, ou não!Finalmente, perceber o fluxo das coisas é perceber a morte e a vida, a todo momento. Um leite que entorna, um ónibus que perdemos, um objeto que alguém rouba, uma derrota de um time amado. Uma criança que nasce, um olha r de flerte, uma amizade que se inicia, uma chuva que refresca. Lá e cá, há sempre fluxo, entradas e saídas.
Quero então, "by the way", encerrar este texto com a letra de uma música do Marcelo Camelo, LH, que diz:
"Quem acha que perder é ser menor na vida, quem sempre quer vitória, esquece a gloria de chorar",
e também do Rodrigo Amarante, LH, "então, tentar prever, serviu pra eu me enganar", Lulu Santos e Nelson Mota, "nada do que foi, será, do jeito que já foi um dia", e é claro, George Harrison, "All things must pass." e Mário quintana, "Todas as coisas passarão, Eu passarinho"

Até qualquer agora,

Postado por Coutinho Sagrada e campos às Quinta-feira, Maio 17, 2007



Sábado, Setembro 02, 2006
O que é los hermanos?

Los Hermanos

Marco da nova música brasileira, Los Hermanos faz música sem conceito e sem regras. Só boa.

Uma banda de rock alternativo que tem músicas gravadas por cantoras de MPB? Uma banda de MPB que faz rocks tão bons quanto os melhores momentos de bandas como Strokes? Uma banda brasileira, de nome latino, que já teve uma música gravada tanto por George Harrison como por artistas de forró? Uma banda de hardcore que faz referências a Tom Zé e toca com Belchior?

Los Hermanos não é uma banda fácil de classificar. E essa é uma de suas melhores qualidades. Formada pela dupla de compositores, guitarristas e cantores Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo, mais o tecladista Bruno Medina e o baterista Rodrigo Barba, o quarteto (que geralmente se apresenta com o baixista Gabriel Bubu mais um naipe de sopros) é cheio de idiossincrasias.

"Quando pessoas se juntam, seja para montar uma banda, para casar ou para fazer um país, é por afinidade, pelo que há em comum. Mas, a partir disso, a riqueza é a diferença, o que um tem e o outro não, aquilo que pode mudar o olhar do outro", observa Amarante.

Juntos há quase dez anos, a banda passou por tantas mudanças em seus quatro discos que uma hora ficou claro:mudar é o seu natural. Com talento para composições, arranjos, letras e criatividade como há muito não se via, a banda se tornou espécie de marco: canções regravadas por outros artistas, dezenas de milhares de discos vendidos e shows lotados por todo o Brasil confirmavam, estava ali a maior banda do Brasil em muito tempo, e a maior banda da nova música brasileira.

"A música brasileira não tem nada de pureza, está tudo no olhar", comenta Amarante sobre as muitas diferentes influências que resultam na sonoridade da banda. "O brasileiro coloca tudo na mesma prateleira, não tem hierarquia. Isso é uma inocência valiosa, esse descompromisso, essa mistura é o que há de mais brasileiro. Nós não temos nenhuma obrigação de ser mais brasileiros do que já somos. As coisas boas têm essa incoerência, têm signos que se contradizem." Com seu álbum mais recente, "4", produzido pelo músico e produtor carioca Kassin, a banda parece ir em busca de destinos ainda mais amplos: novas sonoridades, novas experimentações, novas sensibilidades. "Quando a gente faz música, nunca parte de um conceito", explica Amarante. "As coisas acontecem de forma natural e o conceito a gente descobre depois. Eu quero deixar música pra mudar a vida das pessoas, pra ser apreciada no futuro? Secretamente sim, mas a gente não faz música assim, pensando nisso."

Postado por Coutinho Sagrada e campos às Sábado, Setembro 02, 2006





Quarta-feira, Fevereiro 22, 2006
De Novos Baianos a Los Hermanos

Rua Pitangui, turma, arte, música, Beatles, Novos Baianos e, agora, "pode crer", Los Hermanos...sim senhor....
A vida surpreende; como no oceano, há ondas, correntes marítimas, ventos, fluxos, vida. Situações novas e inesperadas...
Uma situação interessante tem assustado certos amigos e certas pessoas que me conhecessem. Quero falar sobre isso e tentar dar alguma pista. Não porque eu me sinta obrigado a fazer isto por querer me justificar, ou porque esteja preocupado com a opinião das pessoas.

Na verdade, quando queremos dizer para alguém de nossos gostos, e esse alguém não entende a nossa ligação com aquilo e não se movimenta, de alguma forma, para pelo menos perceber algo desse nosso gostar, não há como faze-lo, principalmente se esse alguém não quer ver para sentir ou crer. Ainda mais quando já há uma opinião sem conhecimento. Isso acontece muito em relação à música. Tudo bem, música é gostar, é sentir, lembrar, se emocionar, balançar. Todos nós, de alguma forma, temos lá nossos "quereres e gostares" que podem parecer estranhos.

Escrevo, portanto, este texto, buscando, sem ansiedade, dizer porque Los Hermanos adquiriu tamanha importância e satisfação para mim. Grata satisfação, aliás.

Vamos lá! Em minha juventude, houve um momento interessante, lá pelos idos de 1972/73, quando nós, da turma da Pitangui, já envolvidos com a idéia de arte e música tão presente em nossas cabeças e corações, já curtidos de tanto empenho em ouvir e esmiuçar as músicas dos "Beatles", "Bob Dylan", "Gil, Caetano e Milton", "João Gilberto", “Jobim”, "Crosby, Stills, Nash and Young", e por aí vai, daquela leva incrível de músicos e compositores que aconteceu nos anos 60 e início dos 70, demos de cara com um grupo diferente que vinha da Bahia: Os "Novos Baianos". Alguns amigos nossos foram a um show no Mackenzie assisti-los. Levaram um gravador, daqueles antigos, mono, e registraram ao vivo. Depois ficávamos tentando entender aquele acontecimento em um show, todo cheio de detalhes e arranjos, alegrias, loucuras e tietagem.

Na verdade, já tínhamos escutado dois discos dos Novos Baianos e ficado muito admirados com a riqueza dos arranjos, dos detalhes, das harmonias, do samba, da alegria de levar uma proposta, e, principalmente, no meu caso, ficava admirado do lance da vida em comunidade. Fazer música e viver de forma livre, num sítio, retirando da convivência o motivo das canções. Isto tudo dava um resultado musical muito inovador, criativo e de um colorido diferenciado. É claro que isso tudo, associado à capacidade instrumental dos caras, misturando guitarras de rock, solos tipo Jimi Hendricks, Jime Page com violão bossa novista de Moraes Moreira, marcações de baixo soladas tipo Paul ou mesmo Cream, cantos regionais com solos de cavaquinho e bandolim. Puxa, era um som de dar muita vontade de fazer música também, e de levar a vida daquela forma.

Isso tudo trouxe um elemento incendeador para nós lá da Pitangui "and friends". Estudamos mais música, fizemos algumas músicas, participamos de festivais, deu vontade de criar e de ter a capacidade para tal.

Explodiu um mundo novo. É claro que tudo isso só enriquecia tudo aquilo que já escutávamos de outros artistas. Já citei lá em cima algumas vertentes que ouvíamos (é claro que vou esquecer muitos). Porém, quero fazer justiça a tudo que admirávamos e ouvíamos. Jorge Benjor, Led Zeppelin, Jimi, Rolling Stones, Noel Rosa, Luiz Melodia, João Gilberto, Baden Powell, Gonzagão, The Who, uma leva de grupos ingleses do final dos 60, Raul Seixas, Quinteto Violado e por aí vai..., sem falar na música erudita que amávamos, cada um a seu jeito, principalmente Bach, Beethoven e Mozart, alguns croncretistas e modernos. Éramos sócios do ICBEU - Instituto Cultural Brasil Estados Unidos, e lá retirávamos discos emprestados e ouvíamos, líamos e discutíamos sobre a arte de cada um, as capas, as histórias.

Tínhamos também um tino muito crítico com aquilo que considerávamos "barango". Sim, essa expressão era nossa marca e ainda não era muito utilizada para caracterizar o "brega", o ruim, o pouco criativo e/ou nada inovador, aquilo que era uma pura cópia comercial e que não acrescentava nada. Por isso usávamos uma expressão que nos caracterizava na época, com aquilo que não "estava com nada": "tá por fora". Acho que éramos até muito drásticos. Lembro-me que, para mim, o maior ícone e representante do "tá por fora" era o Roberto Carlos em sua fase pós Jovem Guarda, romântico comercial. O cara havia parado na vida...! É claro que, olhando tudo isso a partir de hoje, tudo adquiriu uma dimensão bem diferente e minhas impaciências não são mais as mesmas.

Voltando à questão dos Novos Baianos, penso que, para nós da turma ali, acostumados a ouvir as sutilezas dos arranjos dos grupos ingleses, especialmente dos Beatles, acostumados a entender os detalhes com que os Mutantes e seu maestro Duprat destilavam nas faixas de uma fusão de rock com sons brasileiros e psicodélicos, com os discos minuciosamente harmonizados do Clube da Esquina, com o som que pintou na "Tropicália", ficamos delirantes e surpresos com a capacidade criativa que aquele bando de "moleques" com cara de "hippies doidões" tinham para fazer aqueles discos tão fortes e de qualidade inegável. É só escutar "Acabou Chorare", "Novos Baianos Futebol Clube". Disse um de nossos amigos, Carlinhos Ávila: se eles não fossem bons, João Gilberto não viria visitá-los com tanta honra.

Pois é, o que isso tudo tem a ver com o Los Hermanos?

Pois eu digo. Hoje, em pleno 2005, já meio cansado do mercado fonográfico e suas estratégias de venda e marketing, sou levado, por mera questão de relação pai-filha, a participar de um show da banda em Belo Horizonte. Antes havia escutado alguma coisa em casa mas minha atenção não havia sido despertada. O show em si ocorreu com muita força e participação efetiva da moçada, cantando música a música, numa vibração que não se excedia em arroubos descontrolados típicos de grupos de jovens em shows de rock. Saí com muito boa impressão do "conjunto da obra". Mas como ainda não conhecia as músicas, fiquei interessado em ouvir o disco, o terceiro da banda, "Ventura".

Coincidências da vida, fui levado a assistir outro show da banda em São João Del'Rey, no festival de inverno de 2004, e aí, tudo ficou claro, o mosquito que um dia me tocara com os Novos Baianos, repetiu a dose e me mostrou Los Hermanos por inteiro. Existe um ar no conjunto geral da banda que lembra aquela união, aquela alegria de fazer e viver música do grupo baiano. A preparação dos detalhes das gravações, os naipes de metais, os arranjos com objetivos específicos. As letras traziam um reflexão além das bobagens que alguns grupos de rock nacional trazem em seu trabalhos. Há vida inteligente ali. Há uma espécie de "crônica da vida" nas letras. Tudo isso foi ficando claro na medida em que eu, interessado que estava, fui ouvindo, percebendo e procurando os detalhes.

Como se não bastasse, como eu sou um incorrigível humanista, há também na banda e em seus músicos de suporte, uma atmosfera de paz, ou melhor, de busca de paz, um ar de quem não quer estabelecer verdades, dogmas, ou mesmo, parafraseando o próprio Marcelo Camelo: "não queremos vender atitudes" (o que lhe rendeu uma boa cabeçada no nariz!). É possível perceber que eles não estão a fim de se estabelecer como padrão de uma versão da vida. "Queremos fazer música e mostrar a nossa arte".

A partir desse encontro, me tornei um fã, interessado em ver e ouvir tudo que vem da banda, tentar entender os aspectos intrínsecos de sua obra e os detalhes de seus arranjos. E, um detalhe muito legal é que fazemos isso, eu minha mulher, junto com nossa filha, vivendo com ela e aprendendo a olhar também através dos olhos dela.

Ia me esquecendo de um detalhe importante: eles se parecem muito com nossa turma lá da Rua Pitangui: têm originalidade, bom humor, são do bem, tratam as pessoas com respeito, se gostam e adoram música de qualidade. Era assim a nossa turma lá da rua. Posso me lembrar de tudo hoje, nossas conversas até altas horas na esquina da rua Coronel Júlio Pinto, nossos violões tentando tocar músicas próprias, nossa amizade calorosa, engraçada, nossa juventude enérgica, nossos amores e paixões, nossos sonhos divididos, nossa raiva contra a maldade, nossa atitude de esquerda, nossas atitudes de rebeldia para com certo olhares "medíocres" da arte, nossas escolhas, sem censura, por ídolos de qualquer idade.

Se não expliquei porque gosto de Los Hermanos, deixa prá lá, isso pouco importa. O importante mesmo é viver com originalidade. Cada um que o faça a seu modo!
Carlos Wagner - 22/02/2006

Postado por Coutinho Sagrada e campos às Quarta-feira, Fevereiro 22, 2006