O velho e o moço - Rodrigo Amarante
Los Hermanos
CD Ventura
É bem provável que essa canção tenha lhe causado estranhamento quando ouvida pela primeira vez. A verdade é que a composição de Rodrigo Amarante parece exigir do ouvinte maior atenção do que de costume. Comecei a compreendê-la melhor quando entendi que o seu título – O velho e o moço é peça de fundamental importância para que o ouvinte desvende seu mistério e alcance, assim, a interpretação do texto. Seu título estabelece uma temática universal que sugere, através da velhice e da mocidade, uma reflexão sobre aquele que, em nossos dias, talvez seja um dos maiores inimigos do homem: o tempo.
Ao observar atentamente a estrutura das estrofes podemos perceber sem muito esforço que a composição apresenta uma alternância de vozes líricas que expressam o fluxo de consciência tanto do velho quanto do moço. Ora somos levados a conhecer o conformismo, o cansaço, o saudosismo do velho, ora a conhecer o desprendimento, a vaidade, o ímpeto inconseqüente dos anseios do jovem. Neles podemos notar que o tom é de desabafo, de reflexão, de vertigem. No caso do velho, daquilo que, no passado, quase lhe causou arrependimento. No jovem, a ansiedade daquilo que pode, ou não, lhe ocorrer no futuro conforme suas decisões.
Se observarmos a disposição das estrofes vemos sem muita dificuldade como suas vozes são distribuídas em períodos diferentes. A começar pelo velho, que se exprime a partir da estrofe 1 até a estrofe 4; em seguida, temos a voz do jovem que se exprime a partir da estrofe 5 e segue até metade da estrofe 8; e por fim, notamos nos versos restantes a alternância das vozes que, em determinado momento, se unificam, e revelam, assim, não apenas uma reflexão sobre o tempo, mas também uma reflexão sobre o acaso, o destino – seja ele passado, ou futuro. Se imaginássemos uma estrutura da canção poderíamos rascunhá-la da seguinte maneira:
É preciso lembrar, também, que toda composição poética segue uma forma – seja ela fixa, ou não. O versos de Amarante, por exemplo, seguem, a princípio, a métrica do verso pentassílabo (ou redondilha menor), ou seja, são divididos, em geral, em cinco sílabas poéticas. Essa escolha não é gratuita, foi usada porque ela se faz bastante presente nas trovas populares (pode ser facilmente decorada) e produz um ritmo circular na canção, talvez com a intenção de sugerir certa nostalgia e perplexidade no poema, fazendo que o ouvinte imagine, mesmo que inconscientemente, um túnel temporal que o remeta tanto ao passado quanto ao futuro.
Além disso, podemos perceber que o timbre do teclado, dos metais e a marcação do tempo pelo bumbo sugerem o devaneio do velho e do moço, pois embora se refiram ao tempo, as vozes líricas o enxergam cada qual pelo seu prisma. Na melodia percebemos essa divisão quando o vocalista deixa de cantar e os instrumentos tomam lugar na canção, sugerindo o momento de passagem do tempo. Deixa-se, então, de exprimir reflexões quanto ao passado e passa-se às reflexões quanto ao futuro.
Outro detalhe que deve ser observado é a consonância entre a letra e a melodia da canção. Por exemplo, se repararmos, respectivamente, os primeiros versos das estrofes 3 e 7, podemos observar o seguinte:
3. - E se eu fosse/ o primeiro a voltar/ pra mudar o que eu fiz,/ (...) 7. - E se eu for/ o primeiro a prever/e poder desistir/ (...) |
A melodia e a letra parecem tecer entre si semelhanças e sugestões que vão compondo pouco a pouco o universo da canção. Notamos nos versos 3 e 7 que tanto o saudosismo do velho quanto a ansiedade do moço são marcados musicalmente com notas altas, como se a elevação da voz à notas mais agudas aludissem ao anseio e inquietação das vozes líricas à realização de seus desejos, quer se referindo ao passado, quer referindo ao futuro.
Além disso, é preciso atentar como o desdobramento das palavras sugere, quase espontaneamente, o acabamento da estrutura da canção. É o que reparamos no verso 5 da estrofe 1ª, a palavra gasto, por exemplo, remete às coisas já gastas, às coisas passadas, à tradição a que a voz lírica do velho se refere. Outro exemplo seria o 3° verso da estrofe 5. A palavra vaidade, desdobrada, transforma-se em vai idade, fazendo menção, assim, à transitoriedade e legeireza a que acomete a juventude do moço. Há outros exemplos, mas tornariam a leitura cansativa...
Em verdade, o propósito deste blog não é extinguir as possibilidades analíticas dessa canção, ou de qualquer outra que pretenda expor em análise. O trabalho aqui desenvolvido nada mais é do que o desejo de decifrar passo a passo o enigma da palavra, em especial, da criação poética da banda Los Hermanos, oferecendo aos leitores ainda mais deleite com a obra. Conto com a contribuição dos leitores, afinal, essa foi apenas uma das possíveis leituras. Gostaria de conhecer, também, a sua. Se sentir vontade, comente.
Até a próxima!